A Oralidade e as condições de produção do evento comunicativo – primeira parte – distinção (não exclusão) entre fala escrita e fala falada.

Faz tempo que venho insistindo na implementação da oralidade como metodologia de trabalho no âmbito processual penal. Ao caminhar e conhecer alguns países latino-americanos (e seus sistemas de processo penal), percebo como que o Brasil está atrasado, desatualizado e mantenedor de um sistema violador de direitos fundamentais.

Afinal de contas: o que seria um processo oral? Ou: um processo que preza pela cultura das audiências para produção probatória, debates e, principalmente para tomada de decisões. Primeiro, uma breve abordagem sobre a distinção (não exclusão) entre fala escrita e fala falada. Na sequência, uma análise jurídica da oralidade no processo penal. E, por fim, uma perspectiva sobre a oralidade em nosso processo penal brasileiro.

A linguística nada tem contra a escrita, mas é preciso lembrar de que não haveria língua escrita se primeiro não houvesse a língua falada. Da mesma forma, importa fixar que o normativismo não se baseia na oralidade e sim no registro escrito, mas que toda variação e mudança linguística se manifesta ou tem origem no falar cotidiano. Por um bom tempo a fala foi considerada oposta à escrita, como vimos na história e linguisticamente ao explicitar como as teorias linguísticas evitavam abordar o ‘caos’ da variação e os estudos da língua falada.

As semelhanças entre fala e escrita são maiores tanto linguísticas quanto sócio comunicativamente, além do que, as semelhanças e diferenças não são estanques nem polarizadas. Tanto a fala como a escrita são normatizadas e expressas, cada uma em sua forma peculiar de um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia em contextos específicos para objetivos específicos. 

O que importa em ambas as modalidades – falada ou escrita -, é a intenção comunicativa nas práticas sociais de oralidade ou letramento e como se pode chegar a um discurso (oral ou escrito) adequado tanto à situação como ao conteúdo. Justamente pelo fato de a fala e escrita não se recobrirem, podemos relacioná-las, compará-las, mas não em termos de superioridade ou inferioridade, a distinção entre elas pode ser gradual e /ou contínua.  

Por gradual, entende-se que há elementos na fala de uma pessoa que se assemelham a elementos de um texto escrito e por descontínua, quando o texto falado apresenta um contraste muito grande em caso de transformação para um texto escrito. Percebam: a linguagem falada e a linguagem escrita concentram suas diferenças no âmbito da organização textual-interativa. 

Minha proposta reflexiva é observar a relação entre língua falada e língua escrita, saber que a utilização de uma ou de outra modalidade está determinada pelas condições de produção do evento comunicativo e que ambas pertencem ao mesmo sistema linguístico. O fato de termos, em ambos os casos – fala e escrita -, a utilização do mesmo sistema linguístico, permite que, mesmo com características próprias, haja a possibilidade de diversas abordagens, mas aqui, importa a priorização da fala falada (oralidade). 

Apesar da escrita ter-se tornado imprescindível nas sociedades modernas, os estudos acerca da relação entre a fala e a escrita não davam conta da interação verbal que acontece entre indivíduos em sua prática discursiva, pois não consideravam as condições de produção do evento comunicativo. Ora, são as condições de produção que determinam as formulações linguísticas e apresentam as especificidades do tipo de texto produzido.

É perceptível que a partir dos anos 80 do século XX, ocorreu uma mudança de perspectiva no modo de se examinar a oralidade e a escrita, posto que, até então predominava a preferência pela escrita. Atualmente, uma mudança nessa perspectiva preferencial foi inserida nos processos humanos interativos, quando, então, a noção de preferência da oralidade sobre a escrita é realçada, mas sem perder a interatividade complementar. Fato é, o que determina a utilização de uma ou de outra modalidade são as condições de produção e as formações discursivas. Contexto e inserção dos indivíduos.

Apesar de uma modalidade não se sobrepor à outra, ambas conservam suas próprias características. Na fala falada a interação acontece entre presentes, o planejamento discursivo e argumentativo é simultâneo e complementar à produção (probatória). É uma criação entre partes presentes, os falantes e ouvintes interagem e o acesso às reações dos interlocutores é imediato, o processo de criação é público e imediato.

Em contrapartida, na escrita a interação acontece à distância – entre ausentes – e é precedida de todo um planejamento, onde a criação geralmente é individual e com ampla possibilidade revisional e de consulta a outros textos ou demais fontes. Sem qualquer possibilidade de reação imediata do interlocutor (ausente).

Se me permitem uma comparação crítica: na fala escrita o interlocutor (ausente) elabora seu texto pautado em possíveis reações do destinatário (juiz). Logo, o processo de criação é oculto e sigiloso. Na fala falada a elaboração da fala é persuasiva e pautada nas reações dos envolvidos no debate. O processo criativo do discurso é exposto de forma pública.

Thiago Minagé

Pós Doutor em Direito pela UFRJ

Doutor e Mestre pela UNESA/RJ

Conselheiro Seccional da OAB/RJ

Advogado Criminalista.

Mais Artigos

Thiago Minagé © 2024. Todos os direitos reservados.

Feito por Isadora Pacheco