A Oralidade e as condições de produção do evento comunicativo – terceira parte – a teoria se aplica na prática.

Nesse ensaio, parti da premissa de que na fala escrita o interlocutor (ausente) elabora seu texto pautado em possíveis reações do destinatário (juiz), logo, o processo de criação é oculto e sigiloso e, na fala falada, a elaboração da fala é persuasiva e pautada nas reações dos envolvidos no debate, onde o processo criativo do discurso é exposto de forma pública. Passei pela constatação da importância da oralidade ao identificar três razões específicas, (1) que ordena ao juiz e ninguém menos que o juiz seja aquele que conhece a prova, proibindo a delegação de funções; (2) permite ao juiz testemunhar diretamente a “fonte” da informação que o levará à sua decisão, evitando assim o risco de distorção sofrida pela informação quando recebida de “segunda mão”; e (3) permite que o juiz possa julgar, testemunhar e controlar o modo como a informação é produzida. Agora, tento fechar o raciocínio proposto com a demonstração de que a teoria se aplica na prática. 

Assim, trago algumas perspectivas na implementação da oralidade verificável em alguns países:

Argentina: Com a aprovação da Lei 27.063/14 – Código de Processo Penal da Nação Argentina – a oralidade foi implementada no país. O novo código instaurou um sistema de audiências orais, demonstrando grande avanço na efetivação da justiça. O CPP Argentino, em seu artigo 2°, categoriza a oralidade como um dos princípios que devem ser observados durante todas as fases do processo, evitando, na maioria dos casos, a delegação de funções. 

Uruguai: O Código de Processo Penal Uruguaio privilegiou o princípio da oralidade, estabelecendo que todas as audiências serão realizadas oralmente.  Dessa forma, o contraditório é assegurado de maneira muito mais efetiva.

Chile: O Chile implementou a oralidade, tendo em vista que os artigos 266 e 291, ambos do Código de Processo Penal Chileno – Lei 19.696/2000 – determinam que o julgamento será oral, dirigido pelo juiz de garantias, não admitindo a apresentação de alegações ou pedidos por escrito durante sua realização. O código chileno estabelece que a oralidade é uma garantia básica dos envolvidos, a introdução da oralidade teve o objetivo de reconhecer os valores políticos do sistema do país.

México: O CPP do país implementou a oralidade em suas audiências. O artigo 44 do referido código dispõe exclusivamente sobre a oralidade nas ações processuais e o artigo 396 determina que os julgamentos acontecerão sempre oralmente.

Colômbia: A Lei 906 de 2004, Código de Processo Penal da Colômbia, também implementou a oralidade em todo o processo penal, determinando que a ação seja realizada oralmente, utilizando os meios técnicos disponíveis, que tragam agilidade para o procedimento.

Equador: O país adota a oralidade em todo o seu processo criminal, determinando em seu CPP de 2000, que em todas as fases do processo, as ações, decisões judiciais e alegações dos advogados, ocorrerão oralmente.

Guatemala: O artigo 362, da Decreto n°: 51-92 – Código de Processo Penal da Guatemala – implementou a oralidade em seus debates, estabelecendo que o procedimento acontecerá de forma oral.

Honduras: O país também adota a oralidade em seu procedimento. O artigo 310, do CPP de Honduras – Decreto 9-99-E – determina que as declarações e as sentenças deverão ocorrer de forma oral e, depois, serão registradas em ata. 

Nicarágua: A Lei 406, de 13 de novembro de 2001 – Código Procesal Penal de La República de Nicaragua – implementou a oralidade em todo seu procedimento, dispondo em seus artigos 13 e 287, sobre o princípio da oralidade, afirmando que as audiências e o processo acontecerão oralmente, de forma clara e audível, possibilitando que todo o tribunal entenda, sob pena de nulidade.

Panamá: O artigo 3º do CPP do país destaca a oralidade como um princípio a ser seguido em todo o processo. Assim, todos os atos do processo deverão acontecer oralmente, conforme o artigo 128 do mesmo diploma legal. 

Peru: O país implementou a oralidade, caracterizando-a como uma garantia processual, reconhecida por sua constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos. O Decreto Legislativo n° 957 – Código Processual Penal do Peru – dispõe em seu artigo 361 que a audiência será realizada oralmente e registrada em ata. 

Espanha: O país também adota a oralidade em seu procedimento, estabelecendo que os depoimentos, sentenças e atos processuais, serão realizados oralmente. Essa informação pode ser constatada ao observarmos o Código de Processo Penal do país – Ley de Enjuiciamiento Criminal, Decreto 14/1982 – que reservou diversos de seus títulos para dispor sobre a oralidade.

Ainda hoje se busca uma completa aceitação do fato de que a linguagem e a realidade se complementam mutuamente, por consequência, não se pode mais confrontar proposições com uma realidade que não esteja também fundada na linguagem. No que se refere a uma opinião tida como verdadeira e outras já aceitas, fato é, a coerência estabelecida tão somente por uma cadeia de fundamentação é incapaz de dar conta até mesmo de asserções justificadas – eis um dos motivos que me levam a não aceitar “fundamentações” por demais extensas e, carente de qualquer justificativa aceitável como, por exemplo, a utilização de fórmulas prévias para todo e qualquer caso que se enquadre na forma, mesmo porque a verdade continua sendo um conceito inalienável, mas que agora não mais goza de evidência e correspondência no mundo, eis que a sua justificação envolve uma discussão pública e requer uma ampla participação. Deixando, assim, clara a distinção entre discurso de aplicação e discurso de justificação, sendo certo que este último deverá sempre obedecer ao momento e às circunstâncias envolventes do ponto debatido daquele.

Mas não é só: é importante termos a concepção de que ao se falar sobre o processo penal, de forma específica, não está se tratando de qualquer tipo de processo, está-se falando de um método de definição da responsabilidade penal, que deve partir de uma perspectiva analítica de forma a identificar e considerar não apenas seu objeto específico como, também, sua função e finalidade.

A falta de precisão compreensiva do processo penal acaba por ser uma ferramenta que sempre favorece a discricionariedade judicante e, desta forma, o arbítrio estatal, trazendo sérios prejuízos a toda sociedade, envolvidos e, principalmente ao acusado. Fruto de conceitos indeterminados, como tantos outros, dos quais está repleta a legislação processual penal, encontrando referencial semântico naquilo que entender o julgador. Quando não há forma precisa, não existe garantia e segurança ao acusado e, por consequência, não existe devido processo legal. Forma é garantia.

No âmbito prático, a implementação (ou não) da cultura da audiência em respeito à oralidade, denota a influência inquisitória enraizada na América Latina priorizando a centralidade da prisão preventiva como ‘praxe’ do processo penal, uma vez que, a burocratização de tramitação e da escrita sobrepõe a importância dessa modalidade de prisão em detrimento da pena, que pode ou não ser imposta. Nesse exemplo, a prisão preventiva se torna uma verdadeira pena antecipada daquilo, que pode não vir (condenação). A intenção de uma alteração dos juízos criminais para incrementação de uma cultura de audiência é uma realidade em países da América Latina, que tem por finalidade garantir os direitos mais básicos dos envolvidos no processo penal e, ainda, concentrar o debate, produção de prova e decisão em um único ato jurídico amparado nas condições de publicidade, oralidade e contraditório; condição necessária para legitimação dos atos de exercício do poder de tamanha gravidade e intervenção nos direitos individuais dos envolvidos. Assim, o primeiro dado a ser constatado será o deslocamento de centralidade da prisão preventiva no processo para sua efetiva posição de cautelaridade. Enfim. 

É essencial que os juízes mudem sua maneira de pensar e agir no processo. Reconheço que não é uma tarefa fácil, porque estamos falando sobre mudar a maneira de pensar em uma tradição profundamente enraizada. Esse hábito de ver e perceber o juiz como se ele fosse um “agente que combate à criminalidade”, não tem lugar em um sistema acusatório. O juiz, sob o novo sistema, deve ser um sujeito totalmente neutro e imparcial. Não é como no sistema inquisitivo, onde ele é percebido como um aliado da acusação. É dever do Judiciário a observância do devido processo legal. Cabendo ao juiz exigir que o Ministério Público reduza (temporariamente) ou afaste (definitivamente) a presunção de inocência gozada pelo acusado. 

Ao Ministério Público foi reservada a importante decisão sobre a exposição ou não de uma pessoa a um processo criminal. Acusar ou não. Denunciar ou arquivar. Antes de submeter o cidadão a um processo criminal, deve-se exigir a garantia de que existem elementos informativos ou probatórios suficientes para fazê-lo. O não cumprimento desta regra deve ensejar a rejeição da acusação por falta de justa causa.

Ao advogado, foi atribuída uma nova forma de atuação desde a fase pré-processual à consequente fase processual. Direito ao aconselhamento jurídico e representação durante a etapa pré-processual (valorização da Investigação Defensiva); direito à entrevista reservada com advogados; direito a contar com parâmetros sobre a independência e profissionalismo do advogado; e direito à autodefesa. Possibilidade de obter provas e entrevistar prováveis testemunhas, dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; direito de ser julgado quando presente e a participar dos procedimentos judiciais. Ou seja, uma nova forma de advogar é necessária!

Thiago Minagé

Pós-doutor em Direito (UFRJ)

Doutor e Mestre em Direito (Unesa)

Professor da Unisuam-RR;

Professos visitante da Universitat de Barcelona-UB: Derecho Penitenciario y Cuestión Carcelaria. Sistemas Nacionales e Internacionales de Protección de Derechos

Conselheiro Seccional da OAB/RJ;

Advogado Criminalista.

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